segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Entre o machado e a alquimia, a insustentável leveza do ser

"As nuvens alaranjadas do poente iluminam tudo com o encanto da nostalgia; mesmo a guilhotina." Kundera 1984

Sobre meus ombros - olhando o que faço, os olhos de todos. São pessoas invisíveis que me veem por completo. Sobre meus ombros acho que sei o que querem de mim, e tudo há para que eu o faça assim, como desejado. Falam coisas sobre a beleza, abanam prêmios e facilidades, ameaçam com o medo da dívida e do ridículo.

É difícil fazer o que eu sinto. Poder o que eu sinto. Porque fizeram-me ser o que fizeram-me fazer ao longo de tantos anos. Seguir o cronograma, observar o regulamento, planejar, poupar,  escolher uma profissão, responder corretamente, vigiar o amigo, punir o anormal, esquecer a minha infância. 

Aprendi a saber poder apenas o que me foi permitido e incentivado.

O ateliê é um campo onde há linhas de fuga, frestas. Um campo onde se deve caminhar sobre a improvável decisão entre o peso e a leveza do Ser (como disse Kundera). O peso das expectativas do outro, de todo o emaranhado de relações de poder que me atravessam, da concretude do mundo real ou a leveza absolutamente livre e de tal forma desligada deste mundo, que fica mais leve que o ar, evaporando-se com as nuvens.

O artista fazendo busca por uma outra experiência de ser. Busca uma experiência que escape dos campos demarcados, já percorridos. É agente de transformação e expressão e sabe que se encontra dentro das malhas de poder; deseja modificá-las para seu fluir, mas só pode almejar êxito caso pare de tentar.

Quando me ponho a trabalhar meu ser se ocupa e age. As vozes sobre meus ombros falam. Mas aos poucos, se deixo o tempo escorrer e desisto de trabalhar, quando não sei mais o que estou fazendo, alguma coisa pode acontecer.

Um comentário:

  1. ...alguma coisa pode acontecer. Essa certeza nos coloca acessíveis às experiências potenciais de aprendizagens imanentes!

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